US$ 1 trilhão ou adeus? O que os números dizem sobre a ameaça de Musk de deixar a Tesla
Para o investidor brasileiro, a decisão de 6/11 pode mexer no bolso: o BDR TSLA34 foi o mais negociado na B3 no 1º semestre de 2025 (R$ 138,3 milhões/dia) e caiu 32,73% no período. Se o pacote de US$ ...
Para o investidor brasileiro, a decisão de 6/11 pode mexer no bolso: o BDR TSLA34 foi o mais negociado na B3 no 1º semestre de 2025 (R$ 138,3 milhões/dia) e caiu 32,73% no período. Se o pacote de US$ 1 trilhão for rejeitado e Elon Musk cumprir a ameaça de sair, a volatilidade tende a escalar; se aprovado, vem uma diluição estimada de ~10,7% para os atuais acionistas.

O que está na mesa: valores, metas e data
Há um número que grita alto nesta novela corporativa: US$ 1 trilhão. É o teto do novo pacote de remuneração proposto ao CEO da Tesla, Elon Musk, ancorado na emissão de 423,7 milhões de novas ações — o que equivaleria a algo como 12% adicionais de participação e levaria a fatia de Musk a quase 29%, se as condições forem cumpridas. O conselho defende o plano como forma de reter o fundador num momento em que a competição por talento apertou. Críticos lembram, com certo sarcasmo, que o executivo já acumulou remuneração superior ao lucro total da Tesla desde a fundação.
O gatilho simbólico do pacote é tão ambicioso quanto a cifra: capitalização de mercado de US$ 8,5 trilhões “nos próximos anos”. É uma meta que exige execução extrema e um mercado disposto a precificar sonhos longos. O debate ganhou outro tempero quando Musk ameaçou deixar o comando caso os acionistas rejeitem a proposta. A votação está marcada para 6 de novembro de 2025. Até aqui, a comunicação pública enfatiza objetivos de longo prazo e controle — Musk repete que não é “sobre dinheiro”, e sim sobre ter influência suficiente para proteger a Tesla sem virar alguém “intocável”.
Vale lembrar: a Tesla já viu um plano de remuneração anterior (2018) ser anulado por um tribunal de Delaware — e iniciou novas tentativas de arranjo desde então, incluindo aprovações parciais no meio de 2025. A assembleia de 6/11, portanto, é mais um capítulo de uma disputa que mistura estratégia, governança e, claro, personalidade.
Aprova ou rejeita? Os efeitos em números
A pergunta é objetiva. Os efeitos, nem tanto. Ainda assim, há contas que ajudam a sair do terreno das opiniões.
- Se aprovar: a emissão de 423,7 milhões de novas ações implica uma diluição econômica que gira em torno de 10,7% para quem já está no papel, considerando a base prévia e um total pós-evento aproximadamente 1,12 vez maior. É uma conta de guardanapo útil para dimensionar o “preço” de reter Musk. A fotografia fina depende do número de ações em circulação na data de implementação e de eventuais ajustes do plano.
- Se rejeitar: o risco principal é de liderança. O próprio Musk tornou pública a possibilidade de sair. Além da volatilidade óbvia, abre-se uma avenida para judicialização e idas e vindas de propostas — o precedente de Delaware, que anulou o pacote de 2018, mostra como esses litígios podem ser longos e confusos, produzindo semanas (ou meses) de manchetes e ruído.
- Pagamento mesmo com desempenho morno: segundo analistas ouvidos pela Reuters, Musk poderia capturar entre US$ 20 e US$ 40 bilhões mesmo com performance inferior à média, a depender dos marcos de desbloqueio. É um lembrete incômodo de que planos complexos podem gerar resultados generosos mesmo sem retornos “excepcionais”.
Curiosamente, o desenho também amplia o poder de voto e a influência do CEO no dia a dia da companhia — ponto que agrada quem vê Musk como trunfo competitivo e preocupa quem enxerga riscos de agência e um possível desvio de governança.
Brasil: impacto direto no TSLA34 e o que o investidor pode (e não pode) fazer
O investidor brasileiro já está exposto a esse enredo — e de forma relevante. No 1º semestre de 2025, o BDR TSLA34 liderou o volume médio diário na B3, com R$ 138,3 milhões, e acumulou queda de 32,73% no período. É muito dinheiro girando, e um tombo que dói. O motivo não é apenas a Tesla. É a Tesla… mais o câmbio… mais o humor do mercado global com empresas de “alta duração” (aquelas cujo resultado esperado está mais distante no tempo, e por isso são mais sensíveis aos juros).
O TSLA34 é um BDR não patrocinado. Na prática:
- você negocia em reais, na B3, um recibo lastreado em ações da Tesla;
- a variação do BDR tende a refletir a ação em dólar e a cotação USD/BRL. Regra de bolso: se a ação nos EUA ficar estável e o dólar subir 2%, o BDR tende a subir algo próximo de 2% (antes de custos); se a ação cair 5% e o dólar subir 2%, o efeito líquido pode ser algo como -3%.
Direitos políticos? Em regra, detentores de BDRs não patrocinados não votam nas assembleias da companhia estrangeira. O impacto no Brasil vem via preço — e via câmbio. Para quem gosta de exemplo concreto, aqui vai um de bolso.
- Micro-história didática: uma carteira de R$ 100 mil com 10% em TSLA34 no início de 2025 teria perdido cerca de R$ 3.273 nesse bloco apenas no primeiro semestre, em linha com a queda de 32,73% do BDR. Se a decisão de 6/11 vier fora do consenso do mercado, prepare-se para oscilações adicionais no curto prazo — para cima ou para baixo.
“Não é a primeira vez que uma assembleia lá fora mexe com o meu saldo aqui. O que aprendi é sempre olhar a dupla ação + câmbio”, diz um assessor de investimentos de Curitiba. “Se o dólar resolver andar junto, a montanha-russa dobra de altura.”
Governança sob escrutínio: poder, consultorias e comparativos regulatórios
O pacote não é só um número exorbitante. É um desenho de poder. Se aprovado no teto, Musk adiciona 12% de participação e se aproxima de 29% do capital — e, conforme material divulgado ao mercado, ganha maior influência em decisões estratégicas. O conselho, liderado por Robyn Denholm, defende que reter e incentivar o CEO é vital para que a Tesla se torne “a empresa mais valiosa da história”.
Do outro lado, cresce a crítica às consultorias que orientam o voto de investidores institucionais (os chamados proxy advisors). Musk já as mirou publicamente. As recomendações de casas como ISS e Glass Lewis, quando divulgadas, historicamente mexem no humor pré-assembleia — não só na Tesla. O investidor atento acompanha.
Há um contraste interessante com o Brasil. Por aqui, a Resolução CVM 168:
- veda o uso de voto plural em deliberações sobre remuneração de administradores;
- exige ao menos 20% de conselheiros independentes em companhias de capital aberto com ações em bolsa;
- cria freios adicionais quando há transações com partes relacionadas relevantes.
Esse arcabouço deixa claro que temas de remuneração e conflitos de interesse são tratados com camadas extras de proteção no mercado local — algo que o investidor de TSLA via BDR deve ter no radar ao comparar padrões de governança.
“Quando o pacote paga mais do que a empresa lucrou na vida, a pergunta não é se Elon merece. É se o desenho alinha risco e retorno para quem financia a história”, resume a gestora de um fundo de ações no Recife.
O que monitorar até 6/11 e depois
Com a data batendo à porta — hoje é 28/10/2025 —, o jogo se decide nos detalhes. O que observar?
- Gatilhos de curto prazo: intenções de voto de grandes casas (quando públicas), pareceres de consultorias de voto e qualquer sinal do board. Um tweet do CEO costuma mover montanhas; um parágrafo no proxy statement (o documento enviado a acionistas antes da assembleia), às vezes, mais ainda.
- Linha do tempo e recursos: aprovação não significa dinheiro na conta no dia seguinte. Planos desse tamanho têm cronogramas de implementação e marcos de elegibilidade. Rejeição, por sua vez, reabre a avenida de propostas alternativas e, potencialmente, litígios — lembrando o caso de Delaware que desmontou a arquitetura de 2018.
- Métricas de execução: para avaliar a plausibilidade de US$ 8,5 trilhões, acompanhe entregas trimestrais (volumes, margens, receita por segmento), avanço de software (FSD/Full Self-Driving e autonomia) e monetização de energia. Aqui, disciplina é tudo: ler o release, ouvir a teleconferência, comparar com o consenso.
- Contexto macro: juros nos EUA seguem em patamar que cobra pedágio de empresas de “alta duração”. Apetite por risco se contrai e se expande com falas do Fed e dinâmica de inflação. Não é detalhe: é a base que define a taxa de desconto que precifica promessas longas.
Uma nota metodológica útil para quem gosta de contas: a meta de US$ 8,5 trilhões pede uma multiplicação do valor de mercado atual até esse patamar e um CAGR (taxa de crescimento anual composta) implícito no horizonte do plano. Sem cravar números de hoje, a fórmula é simples. CAGR ≈ (8,5 trilhões / market cap atual)^(1/n) – 1. Se o “n” for, por exemplo, 7 anos, você tem uma ideia do crescimento anual necessário. Substitua o market cap atual da Tesla (na data em que você ler) e veja se a história fecha para você.
Exemplos locais
- Saúde, Salvador (BA): Ana, 42, gestora de um hospital privado, montou uma “caixinha tech” com BDRs para diversificar o caixa de longo prazo. “Coloquei 5% em TSLA34 lá atrás pela tese de software. Quando vi a queda no semestre, respirei e reequilibrei. O que decide para mim agora é governança. Prefiro diluir um pouco do que arriscar a empresa sem o fundador”, diz.
- Agronegócio, Sorriso (MT): João, produtor de soja, entrou em BDRs em 2021 para ganhar exposição ao dólar. “No agro a gente já lida com commodity e câmbio todo dia. TSLA34 para mim é dólar com adrenalina. Antes de 6/11, zerei metade. Se vier um susto, recompro.”
- Educação, Florianópolis (SC): Marina, diretora de uma edtech, “fatia” a posição com ordens programadas. “Não tenho como opinar se vale US$ 8,5 tri. Tenho como decidir que não vou deixar um evento binário definir meu mês. Comprei aos poucos, vendo aos poucos.”
Essas micro-histórias trazem um ponto simples: estratégia importa tanto quanto tese. E o CEP também joga — a sensibilidade a câmbio e o horizonte de cada investidor variam.
Limites e trade-offs
Nem tudo é sobre jogar para ganhar. Às vezes é sobre saber quando não jogar.
- Concentração: a tese “Musk-centric” amplifica retorno quando dá certo — e risco quando não. Se a saída do CEO for mesmo para a mesa, o prêmio de risco muda.
- Diluição: aprovar o pacote tem custo econômico real (diluição). A pergunta é se a “moeda” emitida compra, de fato, o alinhamento e a execução que compensam esse custo.
- Volatilidade e câmbio: dois vetores independentes que podem se somar. Uma carteira com despesas em reais e objetivos de curto prazo sofre mais.
- Governança: comitês fortes e independentes importam. O investidor local, acostumado a Resoluções da CVM que blindam temas de remuneração, precisa aceitar um padrão distinto lá fora — ou cobrar mais desconto.
Quando não faz sentido? Se o seu horizonte é curto, seu apetite a risco é baixo e sua renda futura está indexada em reais, uma posição relevante em TSLA34 antes de um evento binário (aprovado x rejeitado) pode ser mais emoção do que o necessário.
Como aplicar no Brasil
Para quem ainda está do lado de fora, três passos ajudam:
- entenda o que é um BDR: é um recibo negociado em reais, lastreado em uma ação lá fora, e sensível ao dólar;
- saiba que TSLA34 é não patrocinado: a Tesla não é parte do arranjo no Brasil, e os direitos políticos são, em regra, limitados ao depositário;
- calcule custos: corretagem, eventual spread, tributação sobre ganho de capital em reais.
“Como explica um gerente de CX, ‘sem dado datado, BDR vira palpite com sotaque. Compare a ação lá fora, olhe o dólar, anote custos. Aí sim decide’.”
Mapa do assunto
- O que pesa no dia 6/11/2025: aprovação do pacote (diluição ~10,7% e maior influência de Musk) ou rejeição (risco de saída, nova rodada de litígios).
- O que o bolso sente no Brasil: TSLA34 caiu 32,73% no 1º semestre e foi o BDR mais negociado, a R$ 138,3 milhões/dia — choques de decisão tendem a ampliar a amplitude de movimentos.
- O pano de fundo: meta de US$ 8,5 trilhões, críticas ao desenho de remuneração, contraste com a prática brasileira de governança.
- O que fazer: medir risco de evento, calibrar tamanho, considerar hedge cambial se fizer sentido e evitar decisões “tudo ou nada” na véspera.
No fim, há um elemento de surpresa pouco discutido: e se a votação passar, mas o mercado decidir precificar com mais ceticismo? Em governança, vitória de assembleia não é cheque em branco — é só o começo da próxima cobrança.
O que medir a partir de agora
- Oscilação implícita de opções e a diferença entre preços de compra e venda (bid-ask) de TSLA/TSLA34 — termômetros de estresse.
- Sinais sobre FSD e monetização de software (margem bruta recorrente).
- Relação entre projeções (guidance) e capex (investimentos): para chegar a múltiplos trilionários, a conta de investimento precisa fechar.
- Sinais de grandes institucionais: mesmo sem declarações formais, mudanças de posições reportadas depois podem contar a história do voto.
E, claro, disciplina. Ligar a TV no dia 6/11 é fácil. Difícil é ajustar a carteira com antecedência, escrever no papel o que é “ganho aceitável” e o que é “perda tolerável” e, depois, no dia seguinte, seguir o plano.