1X abre pré-venda do Neo: o que o humanoide “que aprende” muda no mercado bilionário de robôs domésticos

Por Patricia Gomes
1X abre pré-venda do Neo: o que o humanoide “que aprende” muda no mercado bilionário de robôs domésticos

A 1X abriu a pré-venda do Neo, seu humanoide doméstico que promete aprender e se adaptar a novas tarefas — um passo relevante em um setor que pode chegar a US$ 5 trilhões/ano até 2050. O movimento col...

A 1X abriu a pré-venda do Neo, seu humanoide doméstico que promete aprender e se adaptar a novas tarefas — um passo relevante em um setor que pode chegar a US$ 5 trilhões/ano até 2050. O movimento coloca a norueguesa no páreo com Tesla, Figure e UBTech e testa, na prática, se a tecnologia já saiu do laboratório para o dia a dia.

Humanoide Neo em sala de estar moderna com laptop e livros sobre tecnologia.
A inovação do humanoide Neo promete transformar o mercado de robôs domésticos.

O timing é curioso: o mercado deixou de discutir “se” e passou a discutir “como” e “por quanto”. A corrida agora é por utilidade repetível fora do showroom, com um preço que não espante o consumidor premium — e que, com escala, possa cair.

Contexto rápido

A 1X anunciou a pré-venda do Neo com foco em uso doméstico. Até o fechamento deste texto (29/10/2025), a empresa não havia detalhado publicamente janelas de entrega ou países elegíveis nos canais oficiais. É um lançamento em ondas — prudente para uma categoria que ainda calibra promessas e limitações.

No caixa, a companhia vem reforçada: levantou US$ 100 milhões após uma Série A de US$ 23,5 milhões, liderada pelo OpenAI Startup Fund, em março do ano passado. Esse capital sustenta a transição do laboratório ao chão da casa. O EVE, primeiro android da 1X (duas rodas), já executa tarefas em fábricas e faz patrulha de segurança. Mais que um “primo distante”, o EVE tem servido de protótipo funcional para o Neo, que agora caminha sobre duas pernas.

Micro-história real: em vídeos de demonstração, o EVE recolhe a bagunça da sala e até “faz cookies”. O detalhe menos glamoroso, porém crucial? São tarefas incrementais, roteirizadas por cenários e objetivos específicos — não é “faz tudo”, é “faz bem o que foi ensinado”. Esse aprendizado por etapas pavimenta o que a 1X promete levar ao Neo: aprender novas rotinas com base em dados e repetição, evoluindo no tempo.

Do lado da demanda, o apetite existe. Um estudo da Looqbox estima que humanoides possam movimentar até US$ 5 trilhões por ano até 2050, com adoção começando em indústrias e serviços e, só depois, entrando no lar. O Neo mira justamente esse degrau.

Do slide ao PIX

O mercado se organiza por uma escada de preço, escala e capacidade. Alguns números de referência ajudam a calibrar o investimento inicial:

No topo do funil, indústrias bancam pilotos porque ambientes são controlados e o retorno é mais direto: reduzir acidentes, cobrir turnos, padronizar qualidade. Em casa, é outra história: pisos irregulares, crianças, pets, uma fruteira no caminho. A “primeira milha” do consumo será premium — e tudo indica que a 1X sabe disso ao modular a pré-venda.

Para o Brasil, a massificação depende de dois gatilhos: preço e financiamento. Sem cravar câmbio do dia, dá para ter uma ordem de grandeza. Um humanoide a US$ 20 mil pede financiamento ou parcelamento longo — prática comum no varejo. Em duas linhas: sem queda de preço via escala, vira artigo de nicho; com queda e modelos de assinatura de software/serviço, pode virar uma despesa comparável a um carro por semestre ou a uma reforma — só que para “comprar tempo”.

“Como explica um gerente de CX de uma rede varejista, ‘sem serviço, garantia ampla e parcelamento honesto, vira peça de showroom caro; com pacote completo e nível de serviço claro, é só mais uma prestação — como o carro ou o smartphone topo de linha’.”

Na prática

E o que o Neo “já entrega” — e onde ainda patina? Convém separar promessas do possível no curto prazo.

O slogan “aprende e se adapta” não é mágica. Exige dados, treino e atualizações contínuas. Na prática, isso significa dependência de conectividade (Wi‑Fi/Bluetooth) e, em muitos casos, de processamento em nuvem para melhorar modelos. A questão não é só técnica; é também logística de software: política de updates, janelas de manutenção e suporte em língua local. Não tem botão “resolver tudo”.

Há sinais de campo. Segundo a Looqbox, a 1X já testa centenas de robôs em residências. É um passo além de demos em laboratório. Ainda assim, a prova de fogo é confiabilidade 24/7 — encarar a segunda-feira de manhã com a mesma robustez do sábado à tarde.

Micro-história (exemplo hipotético, inspirado nos pilotos em andamento): numa casa de três quartos em Curitiba, um early adopter põe o humanoide para organizar a cozinha. Funciona nas primeiras semanas — ele aprende onde ficam os talheres e a despensa. No terceiro sábado, festa de aniversário: balões, móveis deslocados, caixa de som no chão. O robô hesita. Recalcular o mapa tomou mais tempo que lavar a louça. O dono reprograma rotinas com a assistência remota e define “modo festa” para os próximos eventos. O robô volta ao prumo — mas não sem supervisão.

Compliance e alertas

Brasil não é plug-and-play. Para vender o Neo aqui, a 1X precisará de homologação da Anatel por usar Wi‑Fi e Bluetooth, conforme a Resolução 715/2019. Sem homologação, não se pode comercializar ou utilizar produtos de telecomunicações no país. O processo envolve:

Além da Anatel, há requisitos óbvios, mas críticos: manual e suporte em português, política de dados aderente à LGPD e rede de assistência técnica. Para produtos da mesma “família” (variações do mesmo hardware), a certificação pode otimizar testes, desde que atenda às regras técnicas dessa categoria.

No pano de fundo, o ecossistema brasileiro está mais favorável. A Missão 4 da Nova Indústria Brasil, anunciada em setembro de 2024, prevê R$ 186,6 bilhões em chips, nuvem e robôs até 2035, com metas de digitalização industrial. A CNI destaca uma nova linha de crédito de R$ 12 bilhões para Indústria 4.0 via BNDES e Finep, e o próprio BNDES aprovou R$ 9,4 bilhões em 2024 para projetos de alta densidade tecnológica. Isso não paga a entrada do Neo, claro. Mas cria trilhos para P&D, eventual montagem local, serviços e pós‑venda — o “invisível” que faz diferença quando o equipamento precisa de manutenção no Acre, e não em Oslo.

Micro-história real: nos condomínios brasileiros, o robô TOMI, lançado pela TK Elevator (TKE) com a Alabia, já integra nativamente com elevadores e faz delivery interno de encomendas. Ambiente controlado, caso de uso claro, ROI mensurável. É um lembrete de que a automação avança de fora para dentro: começa no corredor e só depois entra na sala.

Contraponto — quando não usar: se sua expectativa é um mordomo generalista, autônomo, que cozinha, cuida do pet e arruma a casa inteira sem supervisão, é cedo. Em 2025, faz mais sentido pensar em humanoides como “estagiários supertreináveis” para rotinas específicas, somando com robôs dedicados (aspirador, lava‑piso). O pacote perfeito ainda combina gente, processos e máquina.

Sinal de mercado

Nos próximos 12–24 meses, o que separa hype de realidade?

“Como diz um diretor de operações de uma rede hospitalar do Nordeste, ‘não preciso que o robô faça tudo; preciso que faça todo dia, do mesmo jeito, sem me ligar às 2 da manhã’.”

Se a 1X entregar consistência (e transparência) nesses indicadores, o Neo transforma o discurso “aprende e se adapta” em rotina. Do contrário, vira mais um vídeo viral tentando abrir uma porta giratória.

Do slide ao PIX? A analogia vale: o Brasil só abraçou pagamento instantâneo quando a experiência ficou boa, a fricção sumiu e a rede funcionou. Com humanoides domésticos, a régua é idêntica: utilidade no cotidiano, preço digerível e serviço sem dor de cabeça. O resto é vitrine.