Unicórnio no Brasil em 2025: mito vs realidade sobre valuation, governança e liquidez
O Brasil segue líder em LatAm em unicórnios e fintechs, mas a realidade pós-2021 é outra: funding arrefeceu e governança encareceu. Em 2025, o jogo é menos sobre “bater US$ 1 bi” e mais sobre proteger...
O Brasil segue líder em LatAm em unicórnios e fintechs, mas a realidade pós-2021 é outra: funding arrefeceu e governança encareceu. Em 2025, o jogo é menos sobre “bater US$ 1 bi” e mais sobre proteger TIR com saídas reais e estruturas sólidas.

Contexto rápido
De longe, a boiada parece igual. De perto, cada chifre tem uma cicatriz. O estoque global de unicórnios segue inchado — mas o ciclo desacelerou, a janela de IPOs ficou irregular e a liquidez não acompanha o hype desde o pós-boom de 2021.
No Brasil, o rótulo ainda seduz. Há mais unicórnios aqui do que no resto da região somado, e São Paulo segue como hub. Ao mesmo tempo, o retrato de 2025 mostra um funil mais estreito: volume de capital menor, diligência maior, e o cheque só sai com governança que aguente tranco.
“No bull market todo mundo é gênio. Em 2025, o investidor quer ver caixa, cláusula e cap table limpo”, diz um gestor de growth de um fundo paulista.
Mito 1: “Valuation de US$ 1 bi garante sucesso e caixa”
- Fato: valuation é marca, não dinheiro na conta. É no IPO, no M&A ou numa secundária que a maior parte da base realiza liquidez — e em ordem de preferência contratual.
- Fato: mesmo com muitos unicórnios no mundo, o ritmo de novas entradas esfriou e a seleção apertou. Relatórios globais de venture desde 2022 mostram queda de volumes e janelas de saída mais seletivas.
- Exemplo concreto: a 99 mostra quando a marca vira dinheiro. Em janeiro de 2018, foi adquirida pela Didi Chuxing. A liquidez veio do M&A — não do número no slide.
Curiosamente, é contraintuitivo. O “US$ 1 bi” abre portas, mas não paga a folha. Paga reputação. Paga manchete. Caixa mesmo vem no evento de saída.
Mito 2: “Governança é só para IPO; unicórnio privado não precisa”
- Fato: governança virou pré-condição de rodada e de saída. A regulação brasileira vem elevando o sarrafo desde 2022, com regras para assembleias, voto à distância, Formulário de Referência e transações com partes relacionadas. No mercado privado, fundos cobram padrão similar ao de pré-IPO.
- Fato: em CVC, sem estrutura e alinhamento, o dinheiro corporativo enrosca. A cobrança por resultados tangíveis aumentou com juros altos — e a falta de governança trava a tese.
- Contexto local: fintechs sob supervisão do Bacen e sujeitas à LGPD precisam de controles robustos (compliance, risco, dados). Isso pesa no burn, sim. Mas reduz desconto em due diligence, evita multas e encurta caminho para listagem. Em arranjos de pagamento e operações via PIX, a exigência é alta: KYC/AML, segregação de contas, trilhas de auditoria e planos de contingência.
Vale lembrar: se a companhia acha caro ter conselho atuante, voto múltiplo e política de partes relacionadas, caro mesmo é refazer tudo às pressas porque um comprador estratégico exigiu “governança nível CVM”.
Do slide ao PIX
Governança não mora só no boardbook. Mora no dado que sai do ERP, na reconciliação do PIX, na política de crédito que define inadimplência e na trilha de auditoria do consentimento LGPD. É o operacional que sustenta o múltiplo.
- Para quem é regulado: cartas de risco, testes de estresse, planos de continuidade, segregação de funções e relatórios gerenciais consistentes.
- Para quem quer ficar valioso: comitês que funcionam (auditoria, riscos, pessoas), controle de partes relacionadas e calendário de assembleias imune a improviso.
Como resume um gerente de CX de uma fintech média: “sem dado datado, compliance vira parecer — e parecer não paga o boleto do Bacen”.
Mito 3: “Unicórnio = liquidez para founders e early investors”
- Fato: rodada marca preço; liquidez vem de IPO, M&A ou secundária. A lista de ex-unicórnios costuma distinguir quem saiu via IPO/M&A — e ela anda mais curta desde 2021. A janela global de IPOs foi irregular no pós-boom.
- Fato: secundárias ficaram mais duras. Hoje, dependem de governança (acordos de sócios, co-venda, drag/tag, vesting) e de performance operacional (margem, CAC/LTV, NRR, churn, burn multiple). Cap tables limpos aceleram; estruturas com muitos SAFEs e side letters afastam.
- Exemplo comparativo: a 99 (via M&A) gerou caixa. Já nomes como QuintoAndar, C6 Bank, Creditas e Nuvemshop seguem privados por anos. A “marca” existe; a liquidez, não necessariamente.
No fim, unicórnio é etapa. Se o investidor não enxerga a porta de saída, a TIR derrete — mesmo com valuation bonito no pitch.
Estudos de caso brasileiros
- Exemplo histórico (real): 99 e Didi, 2018. A conta fechou por sinergia estratégica, apetite de consolidação e governança que permitiu diligência rápida. O bilhão virou evento.
- Exemplo KPI-focused (real): Nuvemshop, pico em 2021. Rótulo e-commerce não sustenta múltiplo sozinho; o que pesa é retenção de lojistas, NRR e margem de contribuição por cohort.
- Exemplo de saúde (hipotético): uma healthtech de Curitiba com CVC hospitalar no cap table travou M&A por causa de cláusula de exclusividade territorial. Bastou remover o ROFR e definir “firewalls” de dados para reabrir a conversa.
- Exemplo de agro (hipotético): uma agtech no Centro-Oeste só destravou crédito rural quando trocou “GMV de fazendas atendidas” por “margem por hectare e inadimplência por safra” como KPI central. Com isso, a rodada saiu sem haircut.
Essas micro-histórias mostram o mesmo padrão: governança e métricas certas reduzem o “desconto Brasil”.
Mito 4: “Fintech no Brasil sempre vale mais”
- Fato: liderança não é blindagem. O país concentra boa parte das fintechs da região e uma fatia relevante do funding — mas o bolo encolheu, e a régua subiu.
- Fato: regulação e competição comprimem spreads. PIX, novos entrantes e custo de funding mais alto tiraram gordura. Prêmios de valuation exigem monetização provada e coortes saudáveis.
- KPIs que sustentam múltiplo: receita por cliente, NPL em 90 dias, custo de funding, take rate, margem de contribuição por produto, LTV/CAC acima de 3x, NRR acima de 110% em B2B e, no crédito, custo de risco por bandeira.
- Exemplos de trajetória (reais): C6 Bank, Creditas, Nuvemshop e QuintoAndar ilustram o pico 2019–2021. De lá para cá, ganharam peso KPIs de qualidade de receita e disciplina de capital.
Se “ser fintech” carregava prêmio por narrativa, em 2025 o mercado pede prova de lucro e de risco controlado. Etiqueta não substitui unit economics.
Mito 5: “CVC é dinheiro fácil e não dilui tese”
- Fato: CVC está grande e seletivo. Investidores corporativos participam de uma fatia relevante das rodadas globais. No Brasil, o apetite segue — mas com foco em sinergia e resultados tangíveis.
- Fato: desalinhamento custa caro. Sem estratégia clara e governança integrada, o CVC pode impor restrições comerciais ou de saída que derrubam valuation: direitos de preferência (ROFR), exclusividades, cláusulas de veto desproporcionais.
- Playbook prático:
- Estratégia: por que a corp quer investir? Acelerar vendas? Acessar tecnologia? Defina “não negociáveis”.
- Governança: comitê de investimento com cadeiras independentes e regras de conflito; calendário de “fatos relevantes”.
- Dados e LGPD: guardrails para dados sensíveis, segregação técnica e jurídica e DPIA antes de qualquer integração.
- Contratos: ROFR limitado em prazo e escopo, tag/drag equilibrados, carve-outs para M&A estratégico e cláusula de neutralidade competitiva.
- Métricas: mostre como o CVC acelera múltiplos — queda de churn, aumento de NRR, expansão de margem.
“CVC bom é ponte, não corrente. Se amarra a saída, o desconto vem na mesma hora”, comenta a CFO de uma scale-up de logística.
No curto prazo, com juros altos, o corporate pedirá resultado. No longo, sem governança, a startup paga o preço.
Onde dá ruim
- Buscar o “US$ 1 bi” sem trajetória de liquidez. É correr 42 km olhando só o relógio, ignorando a água.
- Entrar em CVC para “fechar contrato grande” e descobrir que a exclusividade inviabilizou outros clientes.
- Adiar governança porque “não vamos abrir capital tão cedo”. Quando o M&A chega, a diligência cobra a conta.
- Forçar narrativa fintech para ganhar múltiplo sem dominar risco de crédito. O spread que o PIX deu, a competição levou.
Contraponto: quando não seguir o manual? Se a tese é deep tech, o caminho pode ser mais longo, com menos métricas comerciais no curto prazo. Aí, o foco é governança técnica (IP, segurança, roadmap) e capital paciente — não “crescer a qualquer custo”.
O que medir a partir de agora
- Liquidez e cap table:
- Percentual de preferenciais com preferência de liquidação e múltiplos.
- Direitos de co-venda, tag/drag e presença de ROFR.
- Concentração de SAFEs/convertíveis e side letters.
- Eficiência e caixa:
- Burn multiple e runway.
- Margem bruta e margem de contribuição por cohort.
- Geração de caixa operacional (antes/depois de capital de giro).
- Crescimento saudável:
- NRR, churn logo e receita por cliente/cohort.
- LTV/CAC, payback e CAC payback por canal.
- Risco (especialmente em fintech/crédito):
- NPL 30/60/90 e custo de risco por produto.
- Custo de funding, alavancagem, covenants.
- Governança viva:
- Calendário de assembleias, comitês atuantes e políticas de partes relacionadas.
- Qualidade do Formulário de Referência (para pré-IPO) e trilha de auditoria.
Se 2021 premiou velocidade, 2025 premia controle. O bilhão segue valendo, mas agora é o começo da conversa — não o fim.
Fontes
List of unicorn startup companies
The 17 Unicorns Founded in Brazil (2024)
Brazil's Top 10 Startups for Tech Pros 2025
Brazil’s Top Fintech Startups and Unicorns - Fintech News America