Caso Tractian: o AI Center em São Paulo e o blueprint dos hubs internos de IA na indústria

Por Patricia Gomes
Caso Tractian: o AI Center em São Paulo e o blueprint dos hubs internos de IA na indústria

Inspirado no projeto Stargate da OpenAI, o AI Center da Tractian une data center, robótica, sensores e engenharia de software sob o mesmo teto — e parcerias com Poli-USP, Unicamp, MIT e Berkeley. O ca...

Inspirado no projeto Stargate da OpenAI, o AI Center da Tractian une data center, robótica, sensores e engenharia de software sob o mesmo teto — e parcerias com Poli-USP, Unicamp, MIT e Berkeley. O caso oferece um blueprint prático para fabricantes: como desenhar hubs internos de IA que tiram soluções do slide e colocam na fábrica, com métricas de negócio desde o dia zero.

AI Center em São Paulo com data center, máquinas industriais e engenheiros em um ambiente colaborativo.
Explore como a inovação e a colaboração moldam o futuro da indústria com inteligência artificial.

O caso em números: por dentro do Tractian AI Center

A Tractian inaugurou, em 5 de novembro de 2025, um campus de 10 mil m² na Zona Sul de São Paulo, ao lado do consulado americano. Foram R$ 60 milhões investidos — R$ 45 milhões de caixa próprio e R$ 15 milhões via FINEP — para concentrar do hardware ao treinamento de algoritmos num só lugar e, sobretudo, manter talentos de engenharia no Brasil.

Base de supercomputação dedicada à indústria

Uma base privada de HPC voltada a casos industriais, com potência equivalente a 20 mil PlayStation 5 ou 8 mil MacBooks Pro trabalhando ao mesmo tempo, exclusiva para treinar algoritmos de manutenção, qualidade e operação.

Laboratórios com máquinas de verdade

Células com ativos reais permitem testar em escala prática antes de implantar nas plantas dos clientes — com cheiro de óleo, ruído e variações que não aparecem no slide.

Seis hubs integrados sob o mesmo teto

IA, software, hardware, ciência de dados, robótica autônoma e monitoramento industrial trabalham lado a lado para encurtar o ciclo entre P&D e disponibilidade na ponta.

Talentos, parcerias e colaboração aberta

Conexões formais com Poli-USP, Unesp e Unicamp, além de parcerias internacionais com MIT, Berkeley e Georgia Tech. O campus foi desenhado para hackathons, visitas acadêmicas e imersões de clientes. O plano anunciado prevê a contratação de mais 200 engenheiros até o fim de 2025, somando-se aos times que já constroem sensores, modelos e software.

Ambição e métricas de impacto

A Tractian projeta, em até cinco anos, gerar mais de R$ 120 bilhões por ano em ganhos de disponibilidade entre clientes. “O campus é a nossa forma de mostrar que é possível desenvolver tecnologia de ponta no Brasil”, disse Igor Marinelli, cofundador e CEO, na inauguração.

Por que isso importa: o gap da IA industrial no Brasil

O país virou polo relevante de IA, mas a indústria ainda patina no básico: custo, talento e tempo de colocar modelos em produção. Hubs internos encurtam esse caminho quando conectam sensores, dados e engenharia a problemas claros de negócio.

Adoção ainda tropeça no encaixe

Muitas indústrias seguem comprando soluções prontas e esbarram na adaptação aos seus dados, processos e ativos.

Custo e escassez de experiência de campo

Computação pesa no orçamento; profissionais com vivência de chão de fábrica são raros. Isso alonga prazos e POCs.

Outra rota: competências críticas dentro de casa

O caso Tractian aponta uma alternativa: dominar o ciclo completo (do sensor ao algoritmo) e testar em ativos reais antes de escalar.

Pressão por ROI e governança

A régua subiu. Direções industriais cobram ganhos de OEE (eficiência global do equipamento), MTBF/MTTR (confiabilidade/tempo de reparo) e redução de downtime com payback rápido. Em paralelo, o debate regulatório e de boas práticas exige governança, segurança e explicabilidade — sem travar a inovação.

O papel da experimentação controlada

Laboratórios com ativos reais, dados catalogados e supervisão de especialistas reduzem custo e risco. É o antídoto para POCs eternas: medir, aprender e decidir rápido se vai para a linha ou volta para a bancada.

“Sem dado datado e teste em máquina de verdade, IA vira palpite caro”, resumiu um gerente de manutenção no Sul.

O blueprint replicável: como desenhar um hub interno de IA

Seis blocos práticos, inspirados no desenho do AI Center e adaptáveis ao seu porte.

1 — Problema de negócio e métricas desde o dia zero

Comece por uma dor mensurável: disponibilidade de ativos, scrap, energia ou segurança. Defina baseline e metas trimestrais de OEE, MTTR/MTBF, taxa de alertas acionáveis (SLaA) e custo evitado por falha.

2 — Dados e arquitetura (do sensor ao modelo)

Mapeie as fontes (vibração, temperatura, corrente, óleo, além de CMMS/ERP/SCADA/MES). Padronize e catalogue. Garanta trilha de auditoria e consentimento. Arquitetura típica: edge para tempo real + data lake para histórico + esteira de MLOps para treinar, versionar e monitorar.

3 — Infra de computação e dimensionamento

Combine HPC on-prem para casos sensíveis/baixa latência com nuvem para picos e treino pesado. Fale a língua do financeiro com o “indicador PS5”: quantos “PS5 equivalentes” seu caso exige hoje e no próximo upgrade? Planeje módulos de expansão por trimestre para não imobilizar CAPEX à toa.

4 — Laboratórios e ciclo de experimentação

Monte células com ativos reais para validar detecção, diagnóstico e prescrição. Gate de maturidade: POC (bancada) → piloto (linha) → produção (multi-sítio). Exemplo hipotético: um compressor com anomalia de vibração é ajustado em seis semanas de tuning no lab e evita uma parada de 8 horas numa linha de bebidas no Nordeste.

5 — Talento e parcerias (formar, atrair, reter)

Crie squads multidisciplinares com software, hardware, dados e robótica. Conecte-se a universidades para pesquisa aplicada e residência em IA. Plano de 12 meses: formação interna para engenheiros de manutenção virarem “AI integrators” de campo e trilhas de upskilling para analistas de dados assumirem MLOps.

6 — Governança, risco e compliance

Crie um comitê de AI governance, políticas de segurança e auditoria de modelos. Faça avaliações de vieses e explainability alinhadas a princípios internacionais. Integre manutenção de modelos ao ciclo de qualidade: MLOps + AIOps, com SLOs técnicos e de negócio.

Roadmap de 12 meses: do zero ao primeiro valor

Um percurso enxuto para sair da teoria.

Trimestre 1 — Fundamentos e caso âncora

Trimestre 2 — Laboratório vivo e primeiros modelos

Instale bancada e ativos, colete dados reais e rode modelos iniciais de anomalia/diagnóstico. Enderece segurança e privacidade desde o início. Promova um hackathon técnico com parceiros acadêmicos.

Trimestre 3 — Pilotos e MLOps

Leve 1–2 pilotos para a linha, com pipeline de MLOps, métricas de precisão, latência e SLaA. Traga equipes de manutenção para imersões no lab e co-design de telas e alertas.

Trimestre 4 — Escala controlada e business case

Escale para múltiplas células, integre com CMMS/ERP e feche o business case (payback e TCO). Estruture suporte, observabilidade de modelos e plano de rollout multi-sítio.

Riscos, trade-offs e quando (não) construir um hub

Nem toda empresa precisa de um AI Center completo. É sobre foco e timing.

Gargalo 1 — Talento escasso

Forme dentro de casa e use parcerias acadêmicas para acelerar quem já conhece o processo.

Gargalo 2 — Computação cara

Adote arquitetura modular de HPC + nuvem para equilibrar custo e performance.

Gargalo 3 — Sistemas legados

Use camadas de APIs/OT e integrações graduais para evitar grandes paradas.

Gargalo 4 — CAPEX e fomento

Explore instrumentos de fomento — o financiamento da FINEP no caso Tractian é um exemplo brasileiro de como destravar projetos.

Quando comprar soluções externas

Se o caso é commodity ou o time-to-value é crítico, “preditiva como serviço” acelera a captura de valor. O segredo é integrar bem aos seus dados e processos, com métricas de negócio claras e governança.

Quando construir o hub interno

Se IA é core da sua vantagem competitiva, com escala multi-sítio e necessidade de customização profunda, o hub vira alavanca estratégica. O desenho da Tractian — do sensor ao algoritmo, com supercomputação e laboratório real — mostra como encurtar o ciclo de P&D para disponibilidade na ponta.

Na prática

Micro-história verossímil (exemplo hipotético): uma cooperativa láctea no Oeste Catarinense instalou sensores de vibração e corrente em pasteurizadores. Em três meses, um modelo treinado no lab apontou uma combinação atípica de microvibração e pico térmico. A equipe trocou um rolamento antes da falha. Resultado? Zero parada na semana de pico de safra e 4% de ganho de OEE no trimestre.

Outra cena, agora na educação técnica: em um hackathon no campus, alunos da Unicamp ajustaram um classificador de falhas para um motor de bombas agrícolas do Centro-Oeste. “A gente saiu da teoria para a graxa da máquina em dois dias”, contou um participante ao fim do evento.

Como aplicar no Brasil

Limites e trade-offs

Há momentos em que o melhor é não construir. Se a operação é de baixa criticidade, o parque é heterogêneo demais ou a rotatividade de ativos é alta, um hub interno pode virar custo fixo. Nesses cenários, avalie parcerias, consórcios ou serviços prontos, com cláusulas de saída e transferência de conhecimento para não criar dependência total.

Próximos passos estratégicos

No fim, o recado do AI Center é simples e ambicioso. Dá para fazer deep tech industrial no Brasil — com máquina, dado e gente boa no mesmo lugar — e transformar P&D em disponibilidade. E, como diria um engenheiro da velha guarda, “modelo bom é o que não deixa a fábrica parar”.

Fontes

Tractian terá centro de inteligência artificial - Baguete

BNamericas - Tractian inaugura AI Center em São Paulo

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