Do sensor ao supercomputador: o AI Center da Tractian e o salto da manutenção preditiva no Brasil
Com R$ 60 milhões, 10 mil m² e uma base privada de supercomputação comparada a 20 mil PS5, a Tractian inaugurou em São Paulo um centro que une data center e chão de fábrica sob o mesmo teto. O recado ...
Com R$ 60 milhões, 10 mil m² e uma base privada de supercomputação comparada a 20 mil PS5, a Tractian inaugurou em São Paulo um centro que une data center e chão de fábrica sob o mesmo teto. O recado é direto: a manutenção preditiva saiu do piloto, virou infraestrutura — e deve mexer em capex, talento e governança de IA na indústria brasileira nos próximos 24 meses.

O que o AI Center revela sobre a estratégia industrial de IA no Brasil
Inaugurado em novembro de 2025, o campus materializa um novo padrão de desenvolvimento: hardware, software e modelos de IA concebidos e validados em máquinas reais antes de escalar. Segundo a empresa, trata-se de seu projeto mais ambicioso na América Latina, prioridade após a Série C em 2024.
“É possível desenvolver tecnologia de ponta no Brasil”, disse o CEO, Igor Marinelli. “Criamos um ambiente onde engenheiros tenham autonomia, propósito e os melhores recursos para fazer história.”
A escala e a conta do projeto
Investimento
R$ 60 milhões, sendo R$ 45 milhões de caixa e R$ 15 milhões da FINEP, de acordo com a companhia.
Infraestrutura
10 mil m² e capacidade para equipes multidisciplinares distribuídas em hubs de IA, software, hardware, ciência de dados, robótica autônoma e monitoramento industrial.
Computação
Base privada dedicada ao treino de algoritmos industriais — a empresa compara sua capacidade a 20 mil PS5 (ou 8 mil MacBooks Pro).
Data center e chão de fábrica no mesmo endereço
O arranjo encurta o ciclo “modelo-linha”: treinar, validar em ambiente real, implantar. A proximidade entre supercomputação e laboratórios de máquinas, somada a parcerias acadêmicas no Brasil e no exterior, reduz o risco do “modelo que não generaliza” e acelera o time-to-value. Na prática, menos tentativa e erro. Mais disponibilidade.
A manutenção preditiva como beachhead de valor
Na indústria, disponibilidade é dinheiro. A preditiva ataca onde dói: evita paradas não programadas, eleva OEE e troca peça por condição, não por calendário. O AI Center funciona como lastro para transformar esse ROI em padrão de contrato e de governança, especialmente em linhas de alimentos, bebidas, papel e celulose e mineração — onde cada hora de downtime tem peso.
O tamanho do bolo e as curvas de adoção
Segundo a Data Bridge Market Research, o mercado global de manutenção preditiva foi estimado em US$ 8,89 bilhões em 2024 e pode chegar a US$ 83,45 bilhões em 2032, um CAGR de 32,3%. América do Norte lidera hoje; a Ásia-Pacífico acelera com programas nacionais de manufatura inteligente.
Gráfico (texto) — 2024 vs. 2032
- 2024: US$ 8,89 bi
- 2032: US$ 83,45 bi
- CAGR: 32,3%
Micro-história — quando “falta de lubrificação” vira insight em minutos
Caso de uso típico: sensores capturam vibração e temperatura, o software cruza com o datasheet do fabricante e recomenda a ação — trocar um componente, ajustar torque, escolher o lubrificante adequado. A intervenção vira tarefa planejada. A linha segue rodando.
“Sem dado vivo, IA vira palpite caro”, resume o gerente de manutenção de uma planta de alimentos no Nordeste.
Antes e depois (KPI de disponibilidade)
Antes
Inspeções por calendário e paradas não programadas.
Depois
Manutenção por condição, plano de intervenção e OEE como norte.
Termômetro do mercado
A adoção cresce, mas o gargalo continua no chão de fábrica: custo de implantação, carência de especialistas e integração OT/IT.
Adoção, custos e falta de especialistas
- Custo inicial e ROI por ativo seguem como filtro.
- Déficit de profissionais em dados, confiabilidade e cibersegurança OT.
- Integração com CMMS/ERP e gestão de redes industriais ainda é pedra no sapato.
Quem já faz
O novo campus foi desenhado para times grandes e multidisciplinares. Segundo a empresa, a combinação de laboratório com supercomputação dá base para rollouts multi-planta sem POCs intermináveis. A Tractian projeta, com o AI Center, ganhos anuais de disponibilidade industrial que podem somar R$ 120 bilhões em até cinco anos — se a adoção em escala vier.
Compliance e alertas
A governança da IA industrial não é tema só de TI; envolve engenharia, jurídico e segurança.
Políticas públicas e compliance no chão de fábrica
- Fomento: a FINEP ancorou R$ 15 milhões do projeto, segundo a companhia. Há iniciativas federais de incentivo a data centers, vistas como positivas pelo setor.
- Diretrizes: a Estratégia Brasileira de IA (EBIA) orienta princípios de robustez, transparência e accountability; o PL 2.338/2023 segue em discussão no Congresso.
- Dados: dados industriais raramente são pessoais, mas a integração com ERP/RH exige mapeamento, segregação de redes e segurança cibernética em OT.
Ecossistema e competição: OEMs, integradores e plataformas independentes
A disputa não é só por tecnologia — é por quem captura o uptime.
Quem vende disponibilidade, vence
De um lado, fabricantes de máquinas (OEMs) empacotam equipamento + manutenção. De outro, plataformas de IA puxam contratos com SLA de disponibilidade. Um centro com laboratório e compute de alto nível ajuda a oferecer “industrial-grade” e a reduzir o tempo de implantação entre plantas.
Riscos estratégicos para os players
- Técnicos: generalização entre ativos, drift de dados, ataques cibernéticos em OT.
- Comerciais: lock-in de dados; acesso a datasheets e APIs vira moeda de negociação.
- Talento: disputa por engenheiros de dados e confiabilidade aperta.
Playbook local: agenda prática de 90 dias para COOs e CFOs
Trate disponibilidade como linha de receita. Selecione casos que mexem no OEE e no custo de parada — com payback claro.
Passo 1 — Diagnóstico rápido e caso âncora
- Mapear ativos críticos e custo de downtime por linha.
- Escolher 1–2 casos de preditiva com payback inferior a 12 meses.
- Fórmula prática: Payback (meses) = Investimento / (Horas de parada evitadas x Custo/hora).
Passo 2 — Arquitetura e dados: borda, nuvem e cibersegurança OT
Definir padrão de sensores, processamento na borda vs. nuvem e integração com CMMS/ERP. Fechar política de redes industriais e acesso a dados.
Checklist técnico (essencial)
- Inventário de ativos e pontos de medição
- Padrão de coleta (amostragem, latência) e retenção
- Segmentação de rede OT, gestão de credenciais, backups
Passo 3 — Contrato e financiamento orientados a resultados
- Estruturar SLO/SLA de disponibilidade e KPIs (MTBF, MTTR, OEE).
- Avaliar fomento (FINEP e bancos regionais), conforme editais vigentes.
Passo 4 — Piloto em 90 dias e plano de escala
- Semanas 1–2: instalação e baseline dos ativos.
- Semanas 3–6: alertas, ajuste de modelos, aprovação de mudanças.
- Semanas 7–12: validação de KPIs e, se atingidos, cronograma de rollout multi-planta com orçamento e equipe.
Passo 5 — Talento e parceria acadêmica
Ative o polo de colaboração: visitas técnicas, hackathons, intercâmbio com universidades (Poli-USP, Unicamp, Unesp, entre outras). Metas trimestrais de capacitação e certificações.
Notas finais de execução
- Números que importam: R$ 60 mi (capex), 10 mil m² (escala), “20 mil PS5” (compute, segundo a empresa), R$ 120 bi/ano (ganhos potenciais em 5 anos, segundo a empresa), 32,3% (CAGR global até 2032).
- Recomenda-se uma visita técnica ao AI Center para validação e desenho do piloto, com COO, CTO, manutenção e TI/OT.
O que medir a partir de agora
- Disponibilidade e OEE por linha.
- MTBF e MTTR por classe de ativo.
- Percentual de manutenção por condição vs. calendário e horas de parada evitadas.
Quando não fazer
Se o ativo é de baixa criticidade e o custo/hora de parada é irrelevante, o CAPEX em sensores e integração pode não fechar a conta. Em ambientes com padrões de falha raros e estáveis, a manutenção programada continua sendo ótima engenharia. Nem toda graxa precisa de GPU.
Fontes
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