Sam Altman quer um “CPF global” com chat e cripto: o que os números da World Network já permitem fazer

Por Juliana Costa
Sam Altman quer um “CPF global” com chat e cripto: o que os números da World Network já permitem fazer

Em cinco anos, o que começou como uma ideia de ficção científica em São Francisco e Munique virou uma infraestrutura que gerencia a identidade de uma população maior que a da Bélgica. A **World Networ...

Em cinco anos, o que começou como uma ideia de ficção científica em São Francisco e Munique virou uma infraestrutura que gerencia a identidade de uma população maior que a da Bélgica. A **World Network** (antiga Worldcoin) saiu do papel para acumular **mais de 15 milhões de identidades verificadas por íris** e um **blockchain próprio**, atraindo a fúria de reguladores de Hong Kong ao Brasil enquanto se torna uma ferramenta de sobrevivência financeira na Argentina.

Paisagem urbana de São Francisco ao entardecer com pessoas em um café e smartphone exibindo app.
A inovação se encontra nas interações do dia a dia, moldando o futuro das redes globais.

Não se trata mais apenas de "escanear o olho por dinheiro". Em 2025, o projeto liderado por Sam Altman, Max Novendstern e Alex Blania tenta se firmar como um super-app que mistura **chat criptografado**, **carteira digital** e um sistema de login universal. Mas o que, exatamente, essa tecnologia libera para o usuário comum hoje?

A promessa prática: muito além do "cashback de íris"

Para entender a World Network, é preciso ignorar o hype do Vale do Silício e olhar para o que o aplicativo **World App** habilita na prática. Ao contrário de um banco tradicional que pede comprovante de residência e CPF, o sistema pede uma prova de que você é um "humano único" (o World ID) para liberar um ecossistema financeiro paralelo.

Login universal e a morte dos bots

A funcionalidade mais imediata é o **World ID** como protocolo de autenticação. Em um cenário inundado por IA generativa, saber quem é humano virou moeda forte. O protocolo permite fazer login em sites e apps parceiros sem entregar nome, e-mail ou dados do governo. Você apenas prova matematicamente que é uma pessoa real e única.

Para plataformas digitais, isso é o "santo graal" contra fazendas de cliques. Para governança online (como votações em comunidades cripto/DAOs), garante o princípio de **"uma pessoa, um voto"**, eliminando a fraude de identidades sintéticas — um risco que até o Ministério da Segurança do Estado da China já classificou como ameaça de espionagem.

O "Pix Global" via Chat

A atualização recente transformou o app em uma espécie de WhatsApp bancário. O **World Chat** permite troca de mensagens com **criptografia de ponta a ponta**, mas com um diferencial: o dinheiro mora dentro da conversa. É possível enviar e solicitar cripto (WLD ou stablecoins) na mesma tela do bate-papo.

Isso cria uma rede de pagamentos global que ignora fronteiras bancárias. Um trabalhador em São Paulo pode receber um pagamento de um cliente em Lisboa instantaneamente, com taxas irrisórias se comparadas à Western Union, tudo liquidado em blockchain.

Blindagem contra inflação e rendimentos DeFi

Para usuários em economias instáveis, o "killer feature" não é a tecnologia biométrica, mas a fuga da moeda local. O app oferece carteiras de **stablecoins (como USDC)** e, em 18 países, **contas virtuais em dólar**.

Mais do que guardar, o sistema integrou ferramentas de finanças descentralizadas (DeFi). Com um toque, o usuário acessa protocolos como o **Morpho**, que oferecem rendimentos de até **18% em WLD e 15% em USDC**. É um nível de acesso a produtos financeiros complexos que antes exigia conhecimento técnico avançado, agora empacotado numa interface simples.

O laboratório a céu aberto na Argentina

Enquanto a Europa discute privacidade, a Argentina testa a utilidade. Com a inflação corroendo o peso, o World App virou uma carteira do dia a dia. A empresa afirma que já existem **mais de 1 milhão de comerciantes** aceitando pagamentos via **QR-code** pelo app no país vizinho.

A cena é comum em cidades como Rosário: o usuário recebe uma remessa internacional em dólar cripto (USDC), mantém o saldo rendendo e, na hora de comprar leite ou pão, escaneia o QR do lojista. O sistema compete diretamente com carteiras locais e bandeiras de cartão, oferecendo uma alternativa fora do sistema bancário tradicional. O escaneamento da íris, nesse contexto, é apenas o pedágio de entrada para acessar essa economia dolarizada.

O muro regulatório: quando o "pagamento" vira problema

A expansão agressiva, financiada por mais de **US$ 250 milhões** de fundos como Andreessen Horowitz, bateu de frente com a soberania de dados. O modelo de "comprar" biometria com tokens WLD (que chegaram a valer cerca de **€ 70** por cadastro na Europa) foi o estopim.

O freio de arrumação global

O mapa da World Network está cheio de sinais vermelhos. Em **Hong Kong**, autoridades ordenaram o fim total dos escaneamentos após encontrarem **8.302 pessoas** com dados coletados, considerando a prática invasiva. Na **Espanha**, a coleta foi suspensa preventivamente, com cerca de **400 mil usuários** já cadastrados.

A **Alemanha** (via autoridade bávara BayLDA) assumiu a liderança na Europa e impôs, no fim de 2024, que a empresa crie mecanismos reais para que usuários possam **apagar seus dados biométricos** de forma permanente. Não basta parar de coletar; é preciso oferecer um botão de "esquecer meu olho".

O caso brasileiro: multa e proibição

No Brasil, o retorno do projeto em novembro de 2024 encontrou uma **ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados)** menos tolerante. O órgão proibiu expressamente o pagamento em WLD ou qualquer incentivo financeiro pela biometria.

O raciocínio é que, ao oferecer dinheiro (cripto) para populações muitas vezes vulneráveis, o consentimento deixa de ser livre. Vira necessidade. A multa por descumprimento foi fixada em **R$ 50 mil diários**. O resultado é um teste de fogo para o modelo de negócios de Sam Altman: as pessoas entregarão a biometria da íris apenas pela utilidade do "CPF Global" e do app financeiro, sem o suborno do token gratuito?

World Chain: uma via expressa para humanos

Para suportar essa operação, a empresa lançou em 2024 o **World Chain**, seu próprio blockchain. A ideia é migrar os 15 milhões de usuários para essa infraestrutura, que promete ser uma "fila preferencial".

Em blockchains comuns, suas transações disputam espaço com robôs de arbitragem e algoritmos de trading. No World Chain, a promessa é que o **World ID** garanta prioridade de processamento e subsídio de taxas para humanos verificados. É a tentativa de criar uma internet financeira onde ser de carne e osso traz vantagens competitivas reais — desde que você aceite que uma empresa privada seja a guardiã dessa humanidade.

Fontes

World (blockchain) - Wikipedia

Worldcoin, projeto de Sam Altman, anuncia novo nome ...

Operações da Worldcoin violam Política de Privacidade e devem cessar, diz regulador de Hong Kong

Worldcoin: utilizadores da empresa que faz negócio com a nossa íris podem pedir eliminação de dados biométricos

Cnpd atualiza informação sobre o caso worldcoin