“Só programador” não basta mais: como a IA vai redesenhar as carreiras de TI no Brasil até 2030

Por Carolina Ribeiro
“Só programador” não basta mais: como a IA vai redesenhar as carreiras de TI no Brasil até 2030

Em apenas três anos, o mercado brasileiro viu o número de vagas exigindo Inteligência Artificial saltar de 19 mil para 73 mil. Enquanto isso, nos corredores e nos canais de Slack, 32% dos trabalhadore...

Em apenas três anos, o mercado brasileiro viu o número de vagas exigindo Inteligência Artificial saltar de 19 mil para 73 mil. Enquanto isso, nos corredores e nos canais de Slack, 32% dos trabalhadores admitem o medo de perder o emprego para a automação. No epicentro desse choque de expectativas, as carreiras de tecnologia não estão encolhendo, mas sofrendo uma mutação agressiva. Quem continuar “só codando” como em 2018 corre o risco de virar commodity; quem aprender a trabalhar *com* a IA, e não contra ela, entra na faixa salarial mais disputada da década.

Escritório moderno com computador, livros sobre IA, café e gráficos de crescimento.
A tecnologia e a IA estão moldando o futuro das carreiras em TI, trazendo novas oportunidades e desafios.

Termômetro: febre de vagas e escassez de remédio

O mercado de TI vive um paradoxo clínico: sobram vagas para quem domina a nova sintaxe da IA, faltam profissionais preparados e sobra ansiedade. O Barômetro Global de Empregos em IA da PwC ilustra o tamanho da virada: a alta na demanda por essas competências foi de 284% entre 2021 e 2024.

Mais do que volume, há um prêmio financeiro na mesa. Os salários para funções ligadas à IA crescem duas vezes mais rápido do que nas ocupações tradicionais, e o bônus médio global para quem navega nesse mar chegou a 56%.

O abismo da qualificação

Do outro lado do balcão, o RH sofre. Dados do Google com a Associação Brasileira de Startups projetam um déficit de 530 mil profissionais de TI até 2025. O sistema de ensino entrega cerca de 53 mil formados por ano, enquanto o mercado engole uma demanda projetada de 800 mil.

A pesquisa IOT Snapshot da Logicalis revela a consequência dessa conta que não fecha: 73% das empresas brasileiras ainda não têm equipes dedicadas à IA, e 30% admitem que a área não existe simplesmente por falta de gente qualificada. O resultado é uma pilha de currículos genéricos para vagas que exigem portfólio específico.

Quem perde o sono e quem ganha o bônus

A chegada da IA generativa não é democrática: ela pune a repetição e premia a complexidade. Um estudo da OIT, analisado pela consultoria LCA, aponta que 31,3 milhões de empregos no Brasil serão afetados, com 5,4% dos trabalhadores em funções de alta exposição à automação.

O fim do “codar por codar”

Profissionais que operam no piloto automático estão na zona de risco. Desenvolvedores web que apenas montam páginas padrão, operadores de entrada de dados e suporte de nível 1 competem hoje contra algoritmos que não dormem e custam frações de centavos.

Ferramentas como copilots já escrevem trechos inteiros de funções e documentam endpoints em segundos. Se o seu trabalho se resume a "traduzir" requisitos simples para código boilerplate, a IA já faz isso mais rápido. A McKinsey aponta que equipes usando esses assistentes relatam ganhos de produtividade de dois dígitos. A mensagem é dura: tarefas mecânicas deixaram de ser diferencial humano.

A ascensão do profissional “aumentado”

Por outro lado, quem usa a tecnologia como alavanca está vendo a carreira decolar. A PwC classifica esses cargos como "aumentados": a IA não substitui, ela amplifica.

Gabriel Lages, da Hotmart, resume o cenário: a IA se consolidou como componente central, da automação à análise preditiva. Isso cria espaço para quem sabe orquestrar essa tecnologia. Não à toa, a receita por funcionário em setores expostos à IA cresceu três vezes mais em 2024. As empresas estão dispostas a pagar mais porque esses profissionais geram mais valor por hora trabalhada.

O novo mapa das carreiras até 2030

Esqueça a divisão clássica entre "infra" e "dev". O futuro aponta para três perfis de carreira que devem dominar os organogramas e as folhas de pagamento.

1. Os Arquitetos da Caixa Preta

São os construtores da tecnologia. Cientistas de dados, engenheiros de machine learning e especialistas em LLM. Segundo a ABES, a demanda aqui explodiu e deve continuar crescendo. Eles lidam com modelos que movimentam dinheiro pesado: risco de crédito, detecção de fraude e recomendação de produtos. A barreira de entrada é alta — exige matemática e estatística — mas é o caminho mais claro para a elite salarial.

2. O Tradutor de Negócios

Aqui entra o Gestor de IA ou Product Manager de IA. É o profissional que impede que a tecnologia vire um "brinquedo caro". Em um grande varejista, por exemplo, esse gestor não escreve o código do modelo, mas decide se a IA será usada para recomendar meias ou para prever a ruptura de estoque na Black Friday. Ele garante que o slide do PowerPoint vire número na DRE (Demonstração do Resultado do Exercício).

3. O Auditor da Confiança

Com a IA tomando decisões sobre quem recebe crédito ou qual currículo é lido, a margem para erros éticos e legais é imensa. Especialistas em governança, privacidade (olhando para a LGPD) e segurança de modelos ganham protagonismo. É uma carreira híbrida, misturando técnica, direito e compliance. À medida que a regulação aperta, esse profissional deixa de ser "custo" e vira "seguro de vida" da empresa.

Manual de sobrevivência (e crescimento)

Para quem já está na área, a janela de reposicionamento é curta. Não é sobre virar cientista da NASA amanhã, mas sobre sair da zona de automação.

Suba a régua ou vire commodity

Ficar preso ao ticket de suporte ou à tarefa menor é perigoso. O movimento inteligente é assumir a responsabilidade pelo resultado do negócio. Em vez de apenas "entregar o relatório", o engenheiro de dados desenha pipelines que alimentam modelos preditivos. O dev back-end não só cria a API, mas sugere como ela pode reduzir o churn.

Dados: o novo inglês

Você não precisa ser estatístico, mas o analfabetismo em dados tornou-se fatal. Entender SQL avançado, correlação, viés e como funcionam modelos supervisionados é o básico para sentar na mesa de discussão. Sem esse vocabulário, o profissional de TI fica excluído dos projetos mais estratégicos.

Portfólio é prova de vida

Currículo com "entusiasta de IA" não paga boleto. O mercado quer ver cicatrizes de batalha. Vale mais um bot simples que reduziu em 30% os chamados do RH da sua empresa atual do que dez cursos teóricos. Projetos reais, com métricas de sucesso (como aumento de 14% na produtividade citado pela Bain), são a única moeda forte na hora da entrevista.

O teste do espelho

Para saber se você está no lado certo da história, faça três perguntas incômodas:

1. Se 80% das minhas tarefas rotineiras fossem automatizadas amanhã, o que sobraria do meu valor para a empresa? 2. Eu consigo explicar como meu trabalho impacta a receita ou o custo usando dados, ou dependo apenas da execução técnica? 3. Nos últimos seis meses, implementei algo usando IA que gerou resultado mensurável?

Se as respostas causarem desconforto, ótimo. É sinal de que você entendeu a urgência. O risco real não é a IA roubar seu emprego, mas você perder a relevância para um colega que aprendeu a usá-la antes de você.

Fontes

IA aumenta demanda por profissionais de TI e transforma o mercado

IA no Mercado de Trabalho: impactos e desafios

Inteligência artificial nas carreiras técnicas: perspectivas ...

Demanda por profissionais com IA cresceu 284% no Brasil ...

13 profissões do futuro impulsionadas pela inteligência ...